No século XIX, durante a Era Vitoriana, as famílias já eram ensinadas a fabricar suas intituladas “bonecas de luto” para colocarem sobre o túmulo de uma criança se ela conseguisse sobreviver ao parto ou ao seu aniversário de um ano.
A morte era uma realidade inegável para um vitoriano médio porque a expectativa de vida daqueles que conseguiam atingir a vida adulta era de 40 anos para homens e 42 anos para mulheres. Na Inglaterra daquela época, a cada mil nascimentos, 160 morriam. Quase um quarto de todos os bebês morriam antes do seu primeiro aniversário devido a infecções, ferimentos ou doenças.
Há mais de um século que a humanidade nunca viveu tanto tempo em nenhum momento no passado. Em 2023, a expectativa de vida para os nascidos em países mais desenvolvidos era de 75 anos para os homens e 82 anos para as mulheres, segundo um levantamento do Statista. Temos exemplos de várias pessoas que ultrapassaram a idade centenária, como a japonesa Kane Tanaka, que morreu em 2022 aos 119 anos.
A nossa capacidade de envelhecer cada vez mais é determinada como um fenômeno, que os cientistas intitularam “revolução da longevidade”. Estamos vivendo mais do que nunca, por outro lado, há uma margem de erro sombria: os nascidos hoje não viverão mais do que 100 anos.
A comprovação
Na metade do século XX, a comunidade científica já projetava que a expectativa de vida média seria de 73 anos para um homem e 79 anos para uma mulher, mas agora estão debatendo se essa revolução da longevidade pode estar estagnando, ou, pior, parando.
Em 1990, algumas correntes de pensamento estimaram a possibilidade de que, no século XXI, o crescimento da expectativa de vida diminuísse, enquanto outros argumentaram que essa hipótese não considerava os avanços significativos que estavam por vir na medicina e biologia. Sendo assim, por muito tempo, imperou a ideia de que os recém-nascidos de hoje viveriam mais que 100 anos.
No entanto, em outubro, foi publicado um artigo na revista Nature Aging com uma pesquisa que mostra que o aumento radical da expectativa de vida experimentado ao longo do século XX, sobretudo a partir da segunda metade, está diminuindo. Os autores do estudo sugerem que é improvável haver mais de 15% de mulheres e 5% de homens centenários nesse século.
Ao analisarem dados de mortalidade da Austrália, França, Itália, Suíça, Suécia, Espanha, Estados Unidos, Coreia do Sul, Hong Kong e Japão, as nove regiões do mundo com maiores índices de expectativa de vida, os cientistas perceberam que, ao longo de 30 anos, as melhorias gerais na manutenção da expectativa de vida diminuíram.
Isso significa que a revolução da longevidade está se aproximando do seu pico, assim como foi previsto há cerca de 34 anos.
A segunda revolução
Os autores do estudo não encontraram nenhuma população que se aproxime de 50% de sobreviverem até os 100 anos, à exceção de Hong Kong, onde esperam que 12,84% das mulheres e 4,4% dos homens se tornem centenários.
Ainda que seja possível reverter esse cenário praticamente pré-definido ao reduzir algumas doenças, como tabagismo e obesidade, os ganhos em países desenvolvidos serão pequenos. Isso não significa que se deve parar de tentar combater doenças, mas que haverá cada vez menos benefícios em termos de longevidade desse investimento.
Para haver uma segunda onda na extensão radical da vida, que produza uma expectativa de vida ao nascer de 110 anos no futuro, seria necessário que 70% das mulheres sobrevivessem até os 100 anos. Por essa razão que é aceitável considerar que o aumento da longevidade parou, embora não signifique que tudo está perdido. Inclusive, os autores do estudo descartam um olhar pessimista sobre a pesquisa.
Ainda é possível para as nações continuarem melhorando a mortalidade em todas as idades, especialmente nas mais avançadas, reduzindo as disparidades entre subgrupos da população e as desigualdades de sobrevivência. O jogo da longevidade não está totalmente perdido, apenas nesse século.
A primeira revolução da longevidade acabou, mas uma segunda revolução na forma de esforços modernos para retardar o envelhecimento biológico, oferecendo à humanidade uma segunda chance de alterar o curso da sobrevivência humana, ainda é possível.
Até que esse cenário chegue, é necessário que celebremos mais de um século de saúde pública e ciência que permitiram que a humanidade ganhasse vantagem sobre causas de morte que limitaram a longevidade humana. Para a comunidade científica, essa, sem sombra de dúvidas, foi a maior revolução que conseguimos fazer.