Os julgamentos das “Bruxas de Salem” estão entre os episódios mais horrendos e ignorantes da história. Eles ocorreram entre 1692 e 1693, no estado americano de Massachusetts (ainda em período colonial), e envolveram o julgamento de cerca de 200 pessoas por supostos crimes de bruxaria.
Por fim, 14 mulheres, seis homens e dois cães foram executados pela alegação de que trabalhavam para o diabo. Até hoje, novas hipóteses acerca deste acontecimento seguem surgindo. E uma delas diz respeito a um fungo.
Os fungos poderiam ser os culpados pelos “crimes”?
Parte das acusações sobre as Bruxas de Salem se consolidaram por conta de casos de alucinações, paranoia e convulsões em massa. E é aí que entra na história o fungo patógeno Claviceps purpurea ou ergot.
Este fungo explode de sua cápsula na semente de centeio e libera esporos em campos de cereais, sendo capaz de infectar plantações e, consequentemente, suprimentos de alimentos. E tudo isso acontece há menos um milênio.
Rabern Simmons, que é curador de fungos do Herbário da Universidade Purdue, defende essa tese. “Acho que sempre houve uma conotação negativa de cogumelos e fungos. Esses organismos simplesmente irrompem do solo em uma forma bastante grosseira. Pense nas palavras que usamos para descrevê-los: podridão e decadência, mofo e praga. Historicamente, eles são vistos como perigosos e associados a bruxaria e maldições”, comenta.
No caso do ergot, essa reputação existe há séculos. Acredita-se que aproximadamente 130 epidemias na Europa de 591 a 1789 d.C. foram causadas por envenenamento por esse fungo. Além disso, alcaloides como o que é usado para criar LSD são ativos no fungo ergot e têm grandes efeitos fisiológicos em humanos.
Por consequência disso, o envenenamento por ergot pode causar alucinações, espasmos corporais, náuseas, convulsões e vômitos. Ele é capaz de provocar uma doença chamada ergotismo gangrenoso, que restringe os vasos sanguíneos nas extremidades do corpo, fazendo com que os dedos das mãos e dos pés fiquem pretos e por fim caiam.
“O mais perturbador é que havia uma perda de sensibilidade tão grande que seu dedo podia cair e você não sentia. Os europeus consideravam essa falta de sensibilidade como prova de que um espírito maligno estava causando isso”, explicou Simmons.
“Além disso, um dos primeiros sintomas do ergotismo é algo coloquialmente conhecido como ‘fogo sagrado’ ou ‘fogo de Santo Antônio’, uma sensação geral de queimação que afetava mais os jovens, como os acusadores. As pessoas diziam que esse era seu corpo queimando preventivamente no inferno”, acrescente o especialista em fungos.
O fungo e as Bruxas de Salem
Para completar toda esta tese, aparece o fato de que o centeio era o hospedeiro favorito do fungo – e, pasme, tudo isso era considerado também obra de Deus. Como o centeio era um cereal mais barato, acreditava-se que Deus estava punindo a classe baixa.
A psicóloga Linnda R. Caporael foi a primeira pessoa a teorizar que o ergotismo pode ter desempenhado um papel nos julgamentos das bruxas de Salem. Em 1976, ela publicou um artigo na Science dizendo que o inverno frio e a primavera chuvosa de 1691 poderiam ter dado condições para o ergot florescer na safra de centeio da cidade.
As primeiras pessoas a acusarem vizinhos da bruxaria foram as meninas Betty Parris, de nove anos, e Abigail Williams, de onze. Elas disseram que seus vizinhos pobres estavam tendo convulsões, visões estranhas e sensações de queimação. Embora os sintomas pudessem apontar ao ergotismo, o médico de Salem concluiu que eles tinham fundo sobrenatural.
Rabern Simmons afirma que acusados e acusadores poderiam estar sofrendo de ergotismo. “Todos estavam aterrorizados com o que estava acontecendo ao redor deles, fossem convulsões, necrose ou alucinações. Foi só no ano seguinte, depois de um verão quente e seco, que a ‘bruxaria’ desapareceu — provavelmente porque não havia ergot na estação seguinte”, explicou.
Agora, Simmons busca mudar a visão negativa que os cogumelos adquiriram com o tempo. Ele afirma que os fungos nem sempre são lembrados por suas outras funções medicinais e alimentícios. O próprio ergot sempre foi usado em outras questões, como para parar o sangramento em mães após o parto. Futuramente, ele pode vir a servir para tratar enxaquecas e doença de Alzheimer.